A PSICOLOGIA E A CIDADE: breve
esboço introdutório.
Este
trabalho tenta responder a uma pergunta, talvez raramente feita, o que a Psicologia
tem haver com a cidade? Pergunta necessária para compreender a constituição da
Psicologia enquanto ciência e as modificações produzidas com as transformações
das cidades do final do século XIX até chegar aos dias atuais.
Não
é surpresa que o surgimento da Psicologia como ciência ocorreu na cidade,
buscando atender as demandas surgidas no período posterior à Revolução
Industrial e Revolução Francesa, e consequente aumento da complexidade de modos
de viver e se relacionar produzidos pelo aumento populacional, crescimento da
acumulação de capital, modificação nas relações de trabalho e nas relações
entre classes sociais que passaram a dividir o mesmo espaço – a cidade.
É
interessante notar que no final do século XIX havia muitas cidades europeias
com status de metrópole, para citar Paris e Londres, chegando a mais de um
milhão de habitantes e, o crescente fluxo de pessoas – migrações – entre países
pela sua proximidade também possibilitou trocas entre os intelectuais e
estudiosos da época, fazendo com que florescesse debates relativos à vida
psíquica, ou melhor, aos fatores psíquicos constituintes dos indivíduos,
culminando no primeiro laboratório em Leipzig que buscava investigar esses
“processos psicológicos”.
O
surgimento da psicologia em um laboratório talvez seja uma maneira de romper
com a Filosofia e dar caráter de cientificidade via quantificação dos
experimentos realizados, aproximando das ciências naturais, mas o que mais
chama a atenção que só foi possível essa mudança de paradigma após as
transformações ocorridas nas cidades, onde o campo deixou de ser o espaço
preferencial de residência – forçado ou não, e a cidade tomou para si a
centralidade das ações e trocas de afetos, relações sociais, econômicas e
conflitos.
Nas
cidades metropolitanas europeias emergiram novos personagens descritos tanto na
Psicologia como em outras disciplinas como o Flaneur de Baudelaire com seu
caminhar percorria toda cidade conhecendo-a em todos seus detalhes, o Blasé de
Simmel característico por sua atitude de indiferença em relação ao outro e o
neurótico de Freud com seus conflitos psíquicos e seu consequente mal estar em
relação a vivencia na cidade.
As
transformações das cidades no século XX tornaram-se muito mais acelerada se
comparada ao século anterior tendo como um dos fatores primordiais dessa
mudança à consolidação da automação e da tecnologia informática e consequente
aumento na velocidade das relações, o automóvel, a trem, o avião, o telefone, a
informática são exemplos desse novo modo de se viver em cidade.
Não
se pode desconsiderar um ponto importantíssimo para a constituição dos modos de
vida citadina que diz respeito a racionalização da cidade, em todos os sentidos
como postulado com maestria por Simmel o que possibilitou a organização do
tráfego, o ordenamento das ruas, praças, bem como a construção dos imóveis que
conhecemos hoje como urbanismo. Não podemos esquecer que atrelado à
racionalização está a mobilidade, conceito tão propagado e perseguido no fim do
século passado buscando possibilitar a “livre” circulação e acesso a tudo que a
cidade pode oferecer. Nessas perspectivas a cidade parece se constituir em
relação ao tráfego de afetos, desejos e relações ao mesmo tempo fluidas,
rápidas e ordenadas.
Ao
tratar da velocidade chegamos às cidades contemporâneas ou pós-modernas, em que
a compressão do espaço-tempo torna-se cada vez mais premente e, o segundo se
torna muito significativo entre o sucesso ou insucesso dos objetivos, onde a
parada é vista e sentida como impeditivo gerando angústia e estresse como
podemos observar nos congestionamentos de carros, de dados na internet, de
linhas de telefone entre outros. Além da velocidade outro fator intrínseco as
cidades modernas é o sistema de monitoramento (vigilância) “cuidando”, tornando
visíveis e públicos todos os eventos ocorridos em tempo real 24 horas por dia.
Não
pode esquecer-se de abordar também a rua que assumiu papel fundamental nos
grandes acontecimentos da modernidade e pós-modernidade, dentre eles a
Revolução Francesa, maio de 1968, a Resistência à Ditadura brasileira e a
Diretas Já só para citar algumas, bem como o lócus dos movimentos sociais. A
rua sofreu modificações significativas em seu formato de sinuosa à reta, de
estreita a larga como também de local de sociabilização para apenas uma linha
por onde se trajeta ou como diz Lenine “a ponte [aqui trocamos pela rua] não é
para ir ou para voltar é somente atravessar”.
Tentamos
nessa brevíssima exposição traçar uma correlação entre a constituição da cidade
moderna e a emergência da ciência psicológica, bem como as transformações da
cidade e, dessas transformações fica ao leitor a construção de argumentos e
indagações a respeito dos modos de vida produzidos na e pela cidade
contemporânea, não podendo fugir dessas perguntas que indubitavelmente nos
tocam. O que a psicologia tem haver com tudo isso? Como agiremos diante de tal
problemática? E não menos importante a psicologia está preparada para
compreender e lidar com todas as complexidades das produções da cidade e dos
citadinos.
[1] Psicólogo, mestrando em
psicologia pela Universidade Estadual Paulista – Campus de Assis e presidente
da APRB-MS.