terça-feira, 5 de março de 2013

Texto escrito por. Cledione Jacinto de Freitas


A PSICOLOGIA E A CIDADE: breve esboço introdutório.

Cledione Jacinto de Freitas[1]
           
            Este trabalho tenta responder a uma pergunta, talvez raramente feita, o que a Psicologia tem haver com a cidade? Pergunta necessária para compreender a constituição da Psicologia enquanto ciência e as modificações produzidas com as transformações das cidades do final do século XIX até chegar aos dias atuais.
            Não é surpresa que o surgimento da Psicologia como ciência ocorreu na cidade, buscando atender as demandas surgidas no período posterior à Revolução Industrial e Revolução Francesa, e consequente aumento da complexidade de modos de viver e se relacionar produzidos pelo aumento populacional, crescimento da acumulação de capital, modificação nas relações de trabalho e nas relações entre classes sociais que passaram a dividir o mesmo espaço – a cidade.
            É interessante notar que no final do século XIX havia muitas cidades europeias com status de metrópole, para citar Paris e Londres, chegando a mais de um milhão de habitantes e, o crescente fluxo de pessoas – migrações – entre países pela sua proximidade também possibilitou trocas entre os intelectuais e estudiosos da época, fazendo com que florescesse debates relativos à vida psíquica, ou melhor, aos fatores psíquicos constituintes dos indivíduos, culminando no primeiro laboratório em Leipzig que buscava investigar esses “processos psicológicos”.
            O surgimento da psicologia em um laboratório talvez seja uma maneira de romper com a Filosofia e dar caráter de cientificidade via quantificação dos experimentos realizados, aproximando das ciências naturais, mas o que mais chama a atenção que só foi possível essa mudança de paradigma após as transformações ocorridas nas cidades, onde o campo deixou de ser o espaço preferencial de residência – forçado ou não, e a cidade tomou para si a centralidade das ações e trocas de afetos, relações sociais, econômicas e conflitos.
            Nas cidades metropolitanas europeias emergiram novos personagens descritos tanto na Psicologia como em outras disciplinas como o Flaneur de Baudelaire com seu caminhar percorria toda cidade conhecendo-a em todos seus detalhes, o Blasé de Simmel característico por sua atitude de indiferença em relação ao outro e o neurótico de Freud com seus conflitos psíquicos e seu consequente mal estar em relação a vivencia na cidade.
            As transformações das cidades no século XX tornaram-se muito mais acelerada se comparada ao século anterior tendo como um dos fatores primordiais dessa mudança à consolidação da automação e da tecnologia informática e consequente aumento na velocidade das relações, o automóvel, a trem, o avião, o telefone, a informática são exemplos desse novo modo de se viver em cidade.
            Não se pode desconsiderar um ponto importantíssimo para a constituição dos modos de vida citadina que diz respeito a racionalização da cidade, em todos os sentidos como postulado com maestria por Simmel o que possibilitou a organização do tráfego, o ordenamento das ruas, praças, bem como a construção dos imóveis que conhecemos hoje como urbanismo. Não podemos esquecer que atrelado à racionalização está a mobilidade, conceito tão propagado e perseguido no fim do século passado buscando possibilitar a “livre” circulação e acesso a tudo que a cidade pode oferecer. Nessas perspectivas a cidade parece se constituir em relação ao tráfego de afetos, desejos e relações ao mesmo tempo fluidas, rápidas e ordenadas.
            Ao tratar da velocidade chegamos às cidades contemporâneas ou pós-modernas, em que a compressão do espaço-tempo torna-se cada vez mais premente e, o segundo se torna muito significativo entre o sucesso ou insucesso dos objetivos, onde a parada é vista e sentida como impeditivo gerando angústia e estresse como podemos observar nos congestionamentos de carros, de dados na internet, de linhas de telefone entre outros. Além da velocidade outro fator intrínseco as cidades modernas é o sistema de monitoramento (vigilância) “cuidando”, tornando visíveis e públicos todos os eventos ocorridos em tempo real 24 horas por dia.
            Não pode esquecer-se de abordar também a rua que assumiu papel fundamental nos grandes acontecimentos da modernidade e pós-modernidade, dentre eles a Revolução Francesa, maio de 1968, a Resistência à Ditadura brasileira e a Diretas Já só para citar algumas, bem como o lócus dos movimentos sociais. A rua sofreu modificações significativas em seu formato de sinuosa à reta, de estreita a larga como também de local de sociabilização para apenas uma linha por onde se trajeta ou como diz Lenine “a ponte [aqui trocamos pela rua] não é para ir ou para voltar é somente atravessar”.
            Tentamos nessa brevíssima exposição traçar uma correlação entre a constituição da cidade moderna e a emergência da ciência psicológica, bem como as transformações da cidade e, dessas transformações fica ao leitor a construção de argumentos e indagações a respeito dos modos de vida produzidos na e pela cidade contemporânea, não podendo fugir dessas perguntas que indubitavelmente nos tocam. O que a psicologia tem haver com tudo isso? Como agiremos diante de tal problemática? E não menos importante a psicologia está preparada para compreender e lidar com todas as complexidades das produções da cidade e dos citadinos.


[1] Psicólogo, mestrando em psicologia pela Universidade Estadual Paulista – Campus de Assis e presidente da APRB-MS.