sábado, 6 de julho de 2013

TEXTO ESCRITO POR. CLEDIONE JACINTO DE FREITAS

A MÚSICA E A SUBJETIVIDADE NA CONTEMPORANEIDADE

Cledione Jacinto de Freitas[1]

            Em uma pequena cidade do interior brasileiro há uma avenida curta, onde aos finais de semana as pessoas que procuram diversão se encontram próximo a um bar que funciona também somente aos finais de semana produzindo festas open bar, com cantores sertanejos, e tendo como público preferencial estudantes universitários, ao lado em um espaço vago estacionam carros com som ligado havendo grande aglomeração de adolescentes e jovens para ouvir e dançar funk.
            Esse é apenas um exemplo singular dentre tantos vistos e vividos cotidianamente nas cidades brasileiras que passam desapercebidos e, fazem parte da paisagem e da rotina urbana incorporado como parte da cultura local tendo como pano de fundo a música produzindo determinados modos de encontro e de significação de um conjunto de gestos, gostos, linguagem, adornos e não outros, levando a se perguntar porque Funk e Sertanejo e não Bossa Nova, MPB, Rock, Pop, Samba?
            Seguindo ainda essa linha de questionamentos pode-se indagar como o sertanejo, hodiernamente sertanejo universitário, e o funk se tornaram hegemônicos ganhando às ruas, nos carros, nos bares, nos celulares, nas exposições agropecuárias ou festas tradicionais, nas novelas, programas de TV de canais aberto enfim, tornaram elementos referenciais de identificação do Brasil até internacionalmente.
              O funk e o sertanejo ocupam o lugar, ou melhor, tornaram as músicas populares brasileiras por serem os estilos preferidos do povo, da massa ramificando por outras camadas sociais, ganhando hoje a companhia das músicas de cunho religioso (as ditas gospel) crescendo em ritmo acelerado em contraposição aos demais ritmos que ficaram circunscritos a determinados setores, a círculos, segmentos sociais. A MPB que pela própria terminologia era para ser popular se tornou elitizada, dito de outra maneira foi elevada à categoria de elitizada.
             Nesse precedente em qual período e em quais condições essa mudança ocorreu, não só na preferência de estilo, mas de modos de se vestir, de comunicar, se relacionar, de produzir significação de suas experiências e vivências, adotando certos modos de vida em detrimento de outros tantos, nesse interim além de adotar esses modos de vida e qualifica-lo como “o melhor” acabam por desqualificar modos de vida que não se enquadram nesse padrão.
            Em uma perspectiva histórica a música faz parte da constituição das sociedades desde a Antiguidade configurando modos especiais das pessoas relacionarem em diversas situações significativas da vida tais como cerimônias e festivais. À medida que a sociedade se aproxima da modernidade a música também sofre mudanças significativas, tanto no número de acordes, instrumentos, utilidade e público principalmente como um modo de reunião da Corte como também com os cancioneiros que percorriam vários reinos para divertir a nobreza.
            Com a modernidade assistiu também a constituição das óperas como espaço de produção musical para a nobreza e para a burguesia ascendente, uma música condizente com os modos de vida modernos de privilegiados, mesmo a ópera sendo hegemônica não se pode desconsiderar a música produzida pela massa, pelos proletários, como um modo de sociabilidade e de afirmação de suas práticas sociais e culturais.
            A música até o século XX por mais que possuíssem suas peculiaridades não conseguia uma difusão e propagação devido à falta de mecanismos para compartimentaliza-la e reproduzi-la indefinidamente, tendo que ser sempre reproduzida, treinada, ensaiada para cada ocasião, a música era sempre nova por mais que fosse a mesma e não era ainda disponível para todos. Com o advento das novas tecnologias, inicialmente com o disco de vinil, depois com as fitas K7, em seguida com o CD, DVD e com as mídias digitais a música tornou objeto de massificação, podendo agora ser produzida em série e reproduzida em vários locais ao mesmo tempo.
            A massificação da música coincidiu com a emergência do que Debord (1997) denominou de Sociedade do Espetáculo em que as relações são mediadas por imagens, em que o imagético está na ordem do dia, e a construção da imagem e aparecimento de cantores em espaços de espetáculo concomitante com o uso da tecnologia para modulação da voz são estratégias para a apresentação das músicas que serão os hits do ano visando o consumo, as músicas já não buscam mais um fim além de ser consumida e “O consumidor real torna-se consumidor de ilusões. A mercadoria é essa ilusão efetivamente real, e o espetáculo é sua manifestação geral.” (DEBORD, 1997, p.33)
            A música também nas últimas décadas expressa os preceitos pós-modernos ou conforme Bauman (2001) a modernidade líquida em que o efêmero, o plástico, o provisório e a liquidez das relações e das coisas são buscadas como objetivos, nesse tocante a banda Titãs (2001) em sua música “A melhor banda de todos os tempos da última semanacorrobora com essas mudanças ao criticar a produção musical na atualidade ao problematizar a produção capitalística de músicas e cantores ao pontuar que “A melhor banda de todos os tempos da última semana, o melhor disco brasileiro de música americana, o melhor disco do últimos anos de sucessos do passado, o maior disco de todos os tempos entre os dez maiores fracassos”, assim como as mercadorias não são feitas para durar as músicas também são feitas para consumo rápido.
            Essas mudanças ocorridas produzem modos de vida diversos dos períodos anteriores na relação com a música e seus conteúdos, mudanças essas que atuam na produção de subjetividade entendida como “[...] o conjunto das condições que torna possível que instâncias individuais e/ou coletivas estejam em posição de emergir como território existencial auto-referencial, em adjacência ou em relação de delimitação com uma alteridade ela mesma subjetiva.” (GUATTARI 2006, p.19)
            As subjetividades atuais conforme Guattari (2006) são subjetividades capitalísticas pautadas nos modos capitalísticos de produção e, a música não foge a essa regra haja vista o aumento significativo do consumo de tudo que é relacionado à música desde camisetas, CDs, DVDs, shows até entrevistas e brindes, bem como a presença da música na maioria dos comerciais e a produção sistemática de tietes e fãs clubes.
            A música produziu e ainda produz modos de vida, ou melhor, “estilos” de vida variando conforme o ritmo musical como se pode verificar no Woodstock e seu lema sexo, droga e rock and roll e seu consequente modo hippie de se viver, do movimento punk, do sertanejo e suas vestimentas características recordadas todos os anos nas festas juninas na figura do caipira e da utilização da bota, chapéu, calça apertada e fivela, do funk com a vestimenta feminina de roupas curtas, as danças sensuais dentre tantos modos de vida intimamente relacionados com os estilos musicais adotados/seguidos como significativos.
            Essa adoção de determinado estilo musical como o melhor e o único leva a rejeição de outros estilos e ritmos musicais, assim também, outros modos de vida como exemplo os defensores do modo de vida “bruto, rustico e sistemático” calcados no estilo/ritmo sertanejo que não concebem como legítimos os modos de vida “boy” que seguem os estilos musicais como o rock, ou dos intelectuais que são adeptos da MPB, não aceitam como legítimo os modos de vida cowboy e funkeiro.
            A música atua como um forte produtor de modos de subjetivação na contemporaneidade e produz uma subjetividade fortemente calcada nos modos capitalísticos de produção baseados no espetáculo, no excesso como se observa na música da banda gaúcha Cidadão Quem “Pra que tanta inteligência, pra que tanta emoção, qualquer coisa em excesso faz sucesso meu irmão, tanta gente com certeza, quanta gente sem noção, em excesso até o fracasso faz sucesso por aí [...]” (LEINDECKER e GESSINGER, 2007).
            Nesse interim resta-nos perguntar quais modos de subjetivação estão sendo produzidos hoje e quais ressonâncias ocorrem nos modos de pensar, agir enfim nos modos de vida tanto individual quanto social, quais são hegemônicos, quais produzem resistências e modos de fuga e o mais importante quais músicas, estilos ou ritmos buscamos como modos singularizantes e que possibilitem uma subjetividade diversa da capitalística, espetacular, consumista e excessiva.



[1] Psicólogo mestrando em Psicologia pela UNESP/Assis, bolsista FAPESP.

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